Tópico 21 - portfólio de devaneios : Cheiro de Confeitaria

03/03/2014

Cheiro de Confeitaria

Há muito tempo fui apresentada à uma garota setenta por cento cacau, pálpebras alinhadas, boca marcada como se usasse lápis, um tanto vermelha, lábios e maçãs. Cheirava chantilly, o que fizera por longos anos, par perfeito com seus conjuntos padronizados: algumas peças com estampas de frutas, outras lisas e de cores sóbrias, mais três vestidos de bolinhas que havia ganhado da avó para participar de ocasiões especiais, que por sinal eram lindo. No cair da noite, final de aula, nos encontrávamos e o resultado era de um doce inconfundível.    
Ao completar doze anos deu-se conta de que cheirar feito confeitaria, ser tão educada, e vestir-se com conjuntos que mais pareciam um símbolo da classe média dos anos sessenta, era um precipício fácil de fazer cair. Bastou um esforço mínimo, uma mente inquieta e grandes portas abertas que em menos de quatro anos, conseguiu se mudar para Berlim. Viajou com sua gata Anna e alguns livros que possuíam significado de um país inteiro; no meio um presente meu que me fizera jura de que guardaria em amor precioso.    
Viu várias cores em LED, cartazes inconsequentemente, devassos e dos cheiros, de maneira especial, nunca conseguirá esquecer, eram cigarros, Whisky. Nada tinha cor, cheiro ou aparência de cacau. Depois dessa fase passei vários anos sem contato, até que a reencontrei pelo Arouche beirando completa desconhecida. Estava com os cabelos descoloridos, vestia couro escuro e cantava God Save The Queen, de fato o que unicamente, me permitiria essa história foi o perfume que fixou ao meu lado, o que acredito ter sido a causa do meu primeiro grande devaneio.    
Mesmo passando anos fora do Brasil com seu pai - o mesmo que havia abandonado sua mãe em uma pequena casa de Brasília - era a mesma, possivelmente aos vinte anos, já que em seu rosto não havia marcas de idade. Nessa anestesia pouco importei-me com a confusão do outro lado da rua, e foi assim que ela levantou e disse "daria tudo para que esses garotos se abraçassem", pronto, não restavam dúvidas, era a garota mais doce que poderia conhecer, entretanto, agora, pertence ao mundo e o carrega nas costas, o que a maltrata a coluna.    
Noto diariamente suas saudades de si em suas buscas escancaradas pela volta da inocência, marcando-se como a rebelde Peter-Pan, pois vive aconselhando crianças para que preservem seu aroma com garras e dentes por mais que já preencham os quarenta anos, exteriorizando sua fantasia em torno da alma de menina e tornando comum o caráter colorido e cintilante de querer mudar a sociedade. 

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