Estamos em janeiro e o calor das vinte horas é mais comum
que os murros em ponta de faca da rotina de escritório, das oito da manhã às
seis da noite, com o acompanhar de mais duas horas de metrô lotado e baldeação.
Nesses dias estamos habituados a fugir da chuva de verão e com a festa de
inauguração do clube de sapatos de plásticos que me chamara tanta atenção e
propusera novas amizades, acabava no livre gozo da pausa para olhar, conversar,
comprar e gastar todo o dinheiro da semana em mais pares de calçados delicadamente
infantis que nunca poderia usar com um vestido chique de mais de quinhentos
reais, uma ofensa.
Lá se foi no contar de poucas linhas a praxe de segunda à quinta
e já é sexta. Fora do comum apenas a atenção extra para o gato felpudo – Alex
Segundo – que durante a semana mal o notei, de gourmet, uma salada
italiana que recebi a receita por e-mail da senhora que trabalha comigo na empresa,
mas já está muito cansada para fazer qualquer outra coisa que não fosse
aprender e compartilhar culinária estrangeira para as meninas da contabilidade
e eu.
Do outro lado da cidade, não me lembro bem o nome, das seis
da manha às oito da noite passava o rapaz de perfume caro e bom gosto musical
por sua semana pouco mais amena, restaurantes caros, vinhos por conta do chefe
e um punhado de amigos falsos o ligando para dizer parabéns pela promoção
desejando profundamente seu cargo. Já é sexta e fora do comum apenas a ânsia
por comprar o novo livro do seu professor da pós-graduação.
De ambos os lados sairíamos de casa noite dessas para
refletirmos na livraria com café do centro velho, esquivando fixamente dos
bares sujos de São Paulo, uma batalha de força quando se é um jovem de vinte e
poucos anos cheio de poesia escura nos poros da alma. Enquanto um de nós
buscava por Dante Alighieri
outro preferia Paulo Coelho para comentar o autor favorito do dono da fábrica
com quem fecharia negócios caríssimos na semana seguinte, o que nos
aproximávamos era exclusivamente a preferencia por café expresso sem açúcar e
uma pedra de chocolate amargo. Olhávamos as páginas e nos olhos disfarçadamente
durante toda noite até sermos quase expulsos por ultrapassar o horário de
fechamento do Iced Coffee.
- Moça, você não
pode ir embora sem a chave do carro! – assim o rapaz finalmente chamava a
atenção e iniciava um diálogo de maneira única, o que me deixaria agradecida
por evitar tamanho desastre de esquecer o molho de chaves no café que só
abriria à uma hora da tarde no dia seguinte. Caminhávamos juntos pelo
quarteirão, o que indicava que havíamos deixado o carro no mesmo estacionamento
vinte e quatro horas, tempo o suficiente para forçarmos uma conversa como
“você-está-me-seguindo”, uma piada, aquilo que havíamos lido, e o convite para
afogar o calor em uma garrafa de cerveja com um estranho.
Terminamos com os
pés na areia depois de um show porco rock na casa noturna mais popular do
litoral norte, cada um com seu carro, pois tínhamos miolos suficientes para não
confiarmos inteiramente em ninguém. Um beijo e a sensação da areia fina pela
coxa entre os pelos loiros, maciez e sal, satisfação plena por ter o tédio
brutalmente interrompido. – E seu telefone? – Prefiro te encontrar por
coincidência, destino, ou qualquer reza, cafés, casas noturnas... A gente se
fala! Assim só me lembro que depois amanheci de garganta seca na sala do
apartamento pequeno de Pinheiros e de ter essa história para contar.